Déficit de armazenagem de grãos no Brasil exige olhar regional e estratégico

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Mesmo com o uso de tecnologias e melhorias na logística, o acúmulo de grãos a céu aberto ainda é uma realidade em várias regiões do Brasil. O problema vai além da simples comparação entre produção e capacidade de armazenamento. Envolve fatores econômicos, logísticos e regionais.

A produção agrícola brasileira tem crescido ano após ano, especialmente com o avanço da segunda safra. Porém, a estrutura de armazenagem não acompanhou esse ritmo. Em 2023, por exemplo, a menor demanda da China atrasou a exportação da soja, o que impediu a liberação dos armazéns para o milho da segunda safra, resultando em acúmulo de grãos sem local adequado para armazenar.

Atualmente, a produção de grãos supera 375 milhões de toneladas, mas a capacidade estática gira em torno de 194 milhões, gerando um déficit teórico de 181 milhões de toneladas, segundo a Conab. Ainda assim, esse número não leva em conta o consumo interno, o ritmo de exportações e as variações entre regiões e épocas do ano.

Outro obstáculo é o acesso ao crédito. Mesmo com programas como o PCA (Programa para Construção e Ampliação de Armazéns), muitos produtores enfrentam juros altos, burocracia e insegurança econômica. Apenas 64% dos recursos disponíveis costumam ser utilizados, o que indica que as condições podem não ser viáveis para quem mais precisa.

A armazenagem dentro das fazendas também é limitada: só 26,5% da capacidade está nas propriedades, enquanto nos EUA esse índice chega a 60%. Muitos produtores preferem investir em produção e acabam vendendo a safra antecipadamente, transferindo a responsabilidade da armazenagem para empresas do setor.

É importante lembrar que o problema não é igual em todo lugar. Em algumas regiões, há sobra de espaço; em outras, colapso. E nem sempre é viável levar os grãos para longe, por causa dos custos de transporte. Por isso, uma análise eficiente precisa considerar o tempo, o local e a dinâmica do mercado.

Segundo o Centro de Estudos do Agronegócio da FGV, recomendações genéricas, como a ideia de que a capacidade de armazenagem deve ser 20% maior que a produção, não se aplicam ao Brasil, que colhe grãos durante quase todo o ano e tem uma cadeia de exportação mais complexa. Ainda segundo o estudo, mais do que construir armazéns por todo lado, o Brasil precisa planejar com base em dados reais, identificar onde estão os principais gargalos e pensar no produtor rural. Só assim será possível reduzir perdas e transformar o armazém em uma ferramenta estratégica para a comercialização da safra.